Lomadee

segunda-feira, 31 de março de 2014

«Padre, deixe lá as flores»: Mulheres no Concílio Vaticano II

Mulheres auditoras no Vat II
Foi editado em Portugal um livro extraordinário que corre o risco de ficar invisível. Falo do volume “As 23 Mulheres do Concílio. A Presença Feminina no Vaticano II” (ed. Paulinas, 2012).
A autora é Adriana Valerio, um nome importante da teologia europeia, empenhada na reconstrução do lugar das mulheres na história do cristianismo. Com o Concílio Vaticano II [1962-1965], pela primeira vez, as mulheres acompanharam os mais decisivos debates da Igreja e deixaram neles uma marca.
É verdade que tinham de acompanhar em silêncio as assembleias (intervinham apenas nas comissões); nos intervalos, não entravam nos espaços de convívio (tinham uma pequena sala de café autónoma); e, mesmo as leigas, deviam cobrir os cabelos com um véu (a mais jovem de todas, Gladys Parentelli, recusou-se a isso e não foi incluída na foto de grupo). Mas não nos podemos esquecer que estamos em 1964. Numa outra instituição tão emblemática como o Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos, a participação das mulheres nem sequer estava prevista.
Foi, por isso, também uma mudança epocal aquela que aconteceu na terça-feira, 8 de setembro de 1964, em Castel Gandolfo, quando o Papa Paulo VI anunciou oficialmente a presença de auditoras. De setembro de 1964 a julho de 1965 foram chamadas 13 leigas e 10 religiosas, escolhidas pelos critérios de internacionalidade e de representação.
As religiosas eram:
  • as americanas Mary Luke Tobin e Claudia Feddish;Mulheres no Concílio - as 23 mulheres ttt
  • a egípcia Marie de la Croix Khouzam;
  • a libanesa M. Henriette Ghanem;
  • as francesas Sabine de Valon e Suzanne Guillemin;
  • a alemã Juliana Thomas;
  • a espanhola Cristina Estrada;
  • a italiana Costantina Baldinucci;
  • e a canadiana Jerome M. Chimy.
A primeira mulher leiga a entrar no Concílio foi Marie Louise Monnet (irmã do estadista Jean Monnet e que trazia um lema fortemente conciliar, “mon baptême me suffit” [basta-me o meu batismo];
  • a espanhola Pilar Bellosillo (diversas vezes nomeada porta-voz);
  • a australiana Rosemary Goldie;
  • a holandesa Anne-Marie Roeloffzen;
  • as italianas Amalia Dematteis, Ida Marenghi-Marenco e Alda Miceli;
  • a americana Catherine McCarthy; a argentina Margherita Moyano Llerena;
  • a uruguaia Gladys Parentelli;
  • a alemã Gertrud Ehrle;
  • a checoslovaca Hedwig von Skoda;
  • e a mexicana Luz Maria Longoria (que, com o marido Josè Alvarez Icaza Manero, era presidente do Movimento das Famílias Cristãs).
A estas auditoras juntaram-se ainda uma vintena de mulheres a título de “especialistas”, como
  • a economista Barbara Ward, perita na questão da pobreza e desenvolvimento humano,
  • Patricia Crowley, uma autoridade nas temáticas relativas ao controlo de nascimentos,
  • ou Eileen Egan, uma pacifista.
A participação das auditoras, no guião da maioria dos padres conciliares, deveria revestir-se apenas de um carácter simbólico. Mas, na verdade, elas foram muito além disso, participando com competência e vivacidade nos trabalhos das comissões, deixando sinais importantes nos próprios documentos conciliares.
Alguns exemplos: a constituição “Lumen Gentium” vem a sublinhar a recusa de qualquer descriminação sexual; a “Gaudium et Spes” defende a visão unitária do homem e da mulher como «pessoa humana» e a igualdade fundamental de ambos.
Hóspedes em sua própria casa
O contributo de Luz Maria Alvarez Icaza e do seu marido na subcomissão da “Gaudium et Spes” terá sido determinante para alterar a visão da sexualidade conjugal como «remédio para a concupiscência» e descrevê-la como ato e expressão de amor.
E ficou célebre a resposta que a franzina Rosemary Goldie deu ao grande teólogo Yves Congar. No âmbito do debate sobre o esquema do apostolado dos leigos, ele estava pronto para inserir no documento uma elegante (mas condescendente) comparação das mulheres à delicadeza das flores. A australiana reagiu assim: «Padre, deixe lá as flores. O que as mulheres querem da Igreja é ser reconhecidas como pessoas plenamente humanas».
 José Tolentino M. 2José Tolentino MendonçaAdriana VAlerio  –   Adriana Valério
In 
Expresso, 2.3.2013 - 07.03.13



ACREDITAR EM JESUS É O ESSENCIAL

                        "Se não virdes milagres e prodígios, não acreditareis”.(Jo.4,,48).

            Na Liturgia da Palavra deste ultimo dia de Março – A, é-nos apresentada a cura do filho dum funcionário real..
Foi numa altura em que Jesus partiu  para a Galileia, depois de ter dito que ninguém é profeta na sua terra e estava  na presença de muitos galileus que  tinham visto tudo quanto Jesus tinha feito em Jerusalém na altura da festa.  e estava de novo em Caná, onde tinha feito o seu primeiro milagre transformando a água em vinho  no banquete de um casamento.
Ora havia ali um funcionário  real, cujo filho se encontrava muito doente em Cafarnaum.
Com fé ele pediu a Jesus que curasse o seu filho e Jesus aproveitou para dizer aos presentes :
-“Se não virdes milagres e prodígios, não acreditareis”.(Jo.4,,48).
            Talvez não fosse propriamente uma acusação de Jesus, porque eles timnham já visto outros milagres de Jesus em Jerusalém, mas sobretudo  era um chamanto à fé, a que o funcionário correspondeu, insistindo com fé :
            -“Senhor, respondeu o funcionário,  vem antes que o meu filho morra”.(Jo.4,49).
            E logo Jesus lhe disse :
            -“Vai, o teu filho vive”.(Jo.4,50.).
            Diálogos muito curtos, mas rápidos, mas com um sentido de fé de quem acredita que Jesus pode curar.
            Os exegetas, ao falarem deste acontecimento, notam que Jesus fala no plural e, logicamente dizem que João não falava apenas para o funcionário, mas também para todos os presentes, numa linguagem que serve para todos nós, em todos os tempos.
            E é assim que nós devemos compreender que as nossas relações e as nossas atitudes  para com Deus, através de Jesus, devem ter como essencial o cunho de uma fé bem esclarecida, permanente e não ocasional, mesmo sabendo que ter fé tem as suas  exigências.
            É que as coisas até podem acontecer  sem nós sabermos como .
            No plano de Deus, as coisas acontecem como um processo de amadurecimento, muitas vezes slencioso e secreto. cujos dinamismos não são os da racionalidade nem os da ciência, mas os do Espírito que intervém de maneira efectiva, e sem que nós saibamos como .
            Sempre que pretendemos acelerar tais processos, com intervenções exteriores e extempotrâneas, acabamos por compreender que o seu desenvolvimento, quer os seus frutos.
            Mas em nome de Deus, algumas vezes os homens da Igreja, sugeriram os seus ritmos e critérios com a melhor das intenções, como se lhes assitisse o direito e o dever de  controlar o desenvolvimento e a fecundidade daquilo que diz respeito ao reino de Deus, para evitar erros ou possíveis abusos ainda que involuntários, isto é, sem saber ou sem se dar por isso.
            Nada de ansiedade, pressa, nervosismo, impaciência ou cepticismo.
            Pelo contrário, serenidade e respeito, bendição e louvor, paciência e solicitude, confiança e esperança, alegria e benevolência…circunstâncias essas que hão-de criar o clima ideal que garantirá uma colheita abundante, à sementeira que Deus não cessa de fazer nos nossos corações, por vezes inconcientemente para nós, sem sabermos como, mas a que devemos corresponder de modo continuo para não perdemos a nossa união com Deus, que isso é que é o essencial.

                                                                      John  
                                                                                                         Nascimento

segunda-feira, 24 de março de 2014

Solidão do conhecimento Os enfrentamentos para quem pensa filosoficamente

Preconceitos, mal-entendidos, interpretações dúbias, subentendimento, ambiguidade... Quem nunca passou por uma situação dessa complexidade? Se refletirmos a fundo, o que se apresenta banal a alguns, muitas vezes é complexo e incompreensível a outros. Assim nada passa a ser tão simples e evidente como achamos. Discutir filosoficamente, falar sobre Filosofia ou, quem sabe, chegar ao extremo de apresentar-se como profissão: filósofo, é algo que se chama atualmente de enfrentar o INEXTRICÁVEL.
Algo embaraçoso? Muito mais do que isso, pode ser visto até como enfrentar um preconceito social, tamanho é o desentendimento e a falta de informação da sociedade com relação a essa profissão. A busca aqui é tentar acabar com o obscurantismo, é como filosoficamente Descartes discutia: tentar desvendar os olhos de quem “passa a vida de olhos fechados sem jamais procurar abrilos”, clarear o pensamento de pessoas que acabam se tornando cegas voluntariamente, à mercê das ilusões propagadas de geração para geração e das manipulações sistemáticas. E é nesta semântica que se concretiza as duas grandes atitudes do erro: a prevenção e a precipitação.
A prevenção “é a facilidade com que nosso espírito se deixa levar pelas opiniões e ideias alheias, sem se preocupar em verificar se são ou não verdadeiras. São as opiniões que se cristalizam em nós sob a forma de preconceitos (colocados em nós por pais, professores, livros, autoridades) e que escravizam nosso pensamento, impedindo-nos de pensar e de investigar. Já a precipitação, corresponde à facilidade e à velocidade com que nossa vontade nos faz emitir juízos sobre as coisas antes de verificarmos se nossas ideias são ou não são verdadeiras. São opiniões que emitimos em consequência de nossa vontade ser mais forte e poderosa do que nosso intelecto. Originam-se no conhecimento sensível, na imaginação, na linguagem e na memória.” (DESCARTES apud CHAUÍ, 2003, p. 127).
Preconceito
“Há diversas complicações inerentes ao conceito de preconceito. Uma delas se refere a que o indivíduo preconceituoso tende a desenvolver preconceitos em relação a diversos objetos – ao judeu, ao negro, ao homossexual, etc. -, o que já indica uma forma de atuação desenvolvida por ele de certa maneira independente das características dos objetos alvos do preconceito, que são distintos entre si. Isto mostra que o preconceito diz mais respeito às necessidades do preconceituoso do que às características de seus objetos, pois cada um desses é imaginariamente dotado de aspectos distintos daquilo que eles são.” (CROCHIK, 2006, p. 13-14)
Esses impulsionamentos possibilitam a grande abertura à existência do preconceito, ao conhecimento sensível, porém, esse só será combatido pelo conhecimento verdadeiro, o qual, para Descartes, se possibilitará na busca pelo conhecimento puramente intelectual. Entretanto, para tal, é necessário um “Incansável trabalho de distanciamento reflexivo, a análise filosófica exige colocar nosso espírito ‘à espreita’, atento àquilo que lhe é apresentado para exame e também pronto a discernir seus próprios subentendidos.” (ARONDEL-ROHAUT, 2005, p. 6). Certamente o oposto disso ocorre quando o preconceito permeia pensamentos e atitudes.
O conceito de preconceito não está inserido simplesmente em uma discussão específica ou em uma ciência única. O preconceito, além de estar no âmago psicológico e se apresentar como uma construção sociológica também traz construções diferenciadas a cada contexto preconceituoso.
No contexto psicológico, partindo do cerne do indivíduo, não seria possível a existência das interioridades caso essa não se contraponha à exterioridade, mas não simplesmente se contrapondo e sim “uma interioridade que surge a partir desse mesmo exterior, o que implica que o indivíduo é produto da cultura, mas dela se diferencia por sua singularidade. Quando o indivíduo não pode dela se diferenciar, por demasia identificação, torna-se o seu reprodutor, sem representar ou expressar críticas que permitiriam modificá-la; se o indivíduo somente se contrapõe a ela, não se reconhecendo nela, coloca a própria possibilidade da cultura em risco.” (CROCHIK, 2006, p. 15)
O preconceito é um mecanismo muitas vezes desenvolvido pelos indivíduos na busca da dicotomia e na diferenciação entre o bem e o mal, ou até mesmo que se apresente aos que se defendem de ameaças imaginárias, bloqueando a visão da realidade, tornado- a falsa ou deficitária por algo que lhes foi impedido de enxergar ou que contém elementos que gostariam de ser ou ter para si mas que se veem obrigados a não ser ou ter. (FREUD apud CHAUÍ, 2003)

sábado, 22 de março de 2014

O Sofrimento do Homem

Os estóicos (gr.: Stoa) resumiam o viver neste mundo com uma fórmula simples, mas severamente cruel no seu cumprimento, qual seja, "suporta e renuncia" (sustine et abstine). Assim, qualquer espécie de sofrimento deveria ser tido como algo que o destino nos tivesse preparado e, por isso, debalde seria a preocupação inútil que roubava a paz e perturbava o espírito. Para os Estóicos, como também para Epicureus e Cínicos, o conceito de ataraxia (do gr.: literalmente significa ausência de inquietação, tranquilidade) fazia parte do caminho de sabedoria que estas Escolas buscavam; isso não significa dizer que esses filósofos não sofriam, mas que viam no sofrimento um exercício de libertação e de busca elevada do espírito. Schopenhauer, por sua vez, dá-nos - como possibilidade transitória de escape do sofrimento - a contemplação do belo artístico. A arte, segundo o autor de o mundo como vontade e representação, traz um alívio para os fardos deste nosso viver, e a música nesse particular tem uma grande importância: "Uma sinfonia de Beethoven descobre- nos uma ordem maravilhosa (...) Depois de ter meditado longamente sobre a essência da música, recomendo o gozo desta arte como a mais deliciosa de todas. Ouvir longas e belas harmonias, é como um banho de espírito purifica de toda a mancha, de tudo que é mau, mesquinho", diz Schopenhauer. (p. 146, Dores do mundo) Kierkegaard, como alívio e superação do sofrimento recomenda-nos à Fé. Esta é o antídoto para todo o desespero e angústia que perpassam o "eu" humano. Aliás, a fé é na concepção kierkegaardiana o último salto existencial do indivíduo para chegar àquele que pode livrá-lo de todo sofrimento. Talvez tenha sido a fé autêntica em Cristo que fez o filósofo dinamarquês superar os traumas existenciais decisivos de sua vida: o relacionamento frustrado com Regina Olsen e o combate com a igreja de seu tempo. Bom, meu caro amigo, como se vê, os filósofos também sofrem. Mas também procuram superá-lo. E quando preferem resignadamente aceitar sofrer, como fazem ou fizeram os estóicos, na verdade buscam com isso não sofrer ainda mais - esta é a exceção. A regra, bem definida por Lessing, é: "Por que não podemos aguardar tranquilamente a vida futura, como aguardamos o dia de amanhã (...)" . Assim, pois, o ser humano está sempre fugindo daquilo que frustre seus planos e traga tristeza. Mas, quando menos esperamos, a vida arrebata nossa provisória felicidade e deixa-nos todos cabisbaixos. *José Fernandes P. Júnior é Graduado em Filosofia; Bacharelando em Direito - Faculdade Projeção-DF; Professor de Filosofia na rede pública do DF